Assim como no futebol e na política, muitas
vezes as decisões de investimento são feitas a partir de visões apaixonadas e
dogmáticas, onde impera tudo, menos a racionalidade econômica. Os trabalhos dos
estudiosos das finanças comportamentais nos dão importantes pistas de como os
indivíduos tomam suas decisões, descrevendo comportamentos particularmente
danosos no processo de escolha de investimentos. Vejamos alguns exemplos:
- Autoconfiança
excessiva:
em um grupo de pessoas, pergunte, por exemplo, como elas se vêem em termos
de habilidade como motoristas. Não se surpreenda se algo como 80-90% se
acharem melhores do que o motorista mediano! A menos que estejamos diante
de pilotos capazes de impressionar o Jean Todt, da Ferrari, esse resultado
é estatisticamente pouco provável. Tal descrição demonstra como muitas
pessoas se consideram dotadas de habilidades superiores à sua real
capacidade. O prezado leitor deve conhecer alguém que se considera um ás
dos investimentos, que "sempre" compra os "cavalos
ganhadores", certo? Esse tipo de postura é excelente para o ego,
porém, em geral é desastrosa com relação aos investimentos.
- Subestimação
de resultados adversos: algumas pesquisas mostram resultados que saltam
aos olhos. Eventos que as pessoas classificam como
"impossíveis", ocorrem em 10% a 15% das vezes. Outro dado
interessante é o de uma pesquisa mostrando que 80% dos novos
empreendedores acham que suas chances de sucesso no novo negócio eram de
"no mínimo" 70%. Os fatos, no entanto, indicam uma taxa de
sucesso muito diferente. Estima-se que apenas 33% das firmas continuam
existindo após cinco anos no negócio! Trazendo para o nosso campo, não é
incomum encontrar pessoas, incluindo profissionais de mercado, que
flagrantemente subestimam os possíveis resultados adversos de suas
decisões de investimentos.
- Forma
em que a situação se apresenta: como você se sentiria tomando um
remédio que falhou com 20% das pessoas que o ingeriram? E se você
estivesse tomando um remédio que curou 80% das pessoas que o usou? Você
deveria ser indiferente nas duas situações, uma vez que a situação
concreta é exatamente a mesma. No entanto, eu apostaria que a maioria das
pessoas ficariam mais desconfortáveis se a pergunta fosse feita no
primeiro formato.
É grande a tentação de ficar discutindo e
mostrando exemplos de quão longe muitas pessoas estão de decisões puramente
racionais. Porém, vamos evitar mais divagações e tentar extrair algumas lições
úteis para o dia-a-dia da gestão de carteiras.
Investidores tendem a agir com excesso de segurança
Como já vimos, os investidores tendem a
agir com viés otimista e excessivamente seguros de que controlam situações
futuras cujo desfecho, na verdade, desconhecem. No processo de escolha dos
investimentos, leve em conta todas as possibilidades, não confie apenas na
intuição e não superestime a sua capacidade de "ler" o mercado. Por
exemplo, diante da forte valorização das ações no ano passado, não foi difícil
encontrar investidores que estavam aumentando suas posições em bolsa com
argumentos do tipo "com certeza a aposta é ganhadora, o governo está muito
bem e não vejo o que pode dar errado." Esse primeiro trimestre foi uma boa
amostra de que várias coisas podem surpreender (escândalos políticos, atentados
terroristas etc.).
Lembrem-se que esse mundo dos investimentos
é composto por profissionais altamente capacitados e treinados para
constantemente procurar as melhores alternativas de investimento, incorporando
aos preços boa parte das informações e expectativas. Portanto, é algo muito
raro encontrar "barganhas" no mercado e mais raro ainda ter
"certeza" sobre o que vai acontecer. Encontrar boas oportunidades
certamente requer um trabalho sério, disciplinado, consistente e periódico. As
raras "barganhas" que aparecem normalmente escondem riscos que devem
ser corretamente identificados e estimados, do contrário pode-se cair em
armadilhas com resultados completamente diferentes daqueles esperados.
"Aprenda com os seus erros",
óbvio não? Porém, uma das características identificadas nesses estudos de
finanças comportamentais é que os indivíduos tendem a creditar para si os bons
resultados e atribuir os fracassos a fatores exógenos, fora do seu controle.
Isso faz muito bem ao ego, mas, no longo prazo, pode levar a resultados
desastrosos, ao superestimar sua capacidade e subestimar os riscos de suas
decisões. Uma saída para evitar esse tipo de comportamento é apoiar-se em dados
objetivos sobre o investimento que se quer fazer, possuir um bom banco de dados
e revisitar periodicamente as decisões tomadas, atualizando-as frente aos novos
dados que se apresentam. Fazendo um paralelo, mesmo com experiência de vários
anos de vôo, um piloto de avião sempre repassa o mesmo "check list"
antes de decolar. Por que os que lidam com investimentos acham que podem se dar
ao luxo de confiar apenas na intuição?
As boas decisões financeiras são aquelas
tomadas racionalmente, de forma objetiva, cujo resultado deve ser independente
da forma em que o problema se apresenta. Tente analisar as alternativas de
forma fria, identificando exatamente quais os pontos determinantes para o
comportamento futuro. Por exemplo, não é difícil encontrar situações em que os
investidores (incluindo-se profissionais de mercado) mantiveram posições em
determinados ativos quando estavam perdendo e/ou se desfizeram rapidamente
delas quando estavam ganhando. Essa decisão deve ser independente do ganho ou
prejuízo que você venha tendo, a análise deve se concentrar sobre os resultados
esperados no futuro, não devendo haver nenhum tipo de "apego" à
posição original.
Resumindo, bons investimentos não caem do
céu. Achá-los demanda muito trabalho, disciplina, especialização profissional,
identificação dos potenciais de risco e retorno das diversas alternativas,
muita frieza e racionalidade na análise. Tudo isso é particularmente importante
em mercados sem tendências definidas como o atual.
Fonte
FERRAZ, Charles. Intuição nas decisões de
investimento. Valor Econômico, São
Paulo, 26 abr. 2004.
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